sexta-feira, 29 de junho de 2012

Cap. I - Parte I - Uma versão da vida

A noite surgia como um manto negro a atenuar o crepúsculo daquele final de tarde de domingo. Estava em um campo grande que beirava o rio com elevadas, depressões, clareiras e muitas árvores para o sul. Ao norte havia um sítio, e dali já era visível a urbanização da pacata cidadela. — Como era possível um lugar tão belo manter sua característica natural em meio a uma cidade metropolitana? — Perguntava a si mesmo. As gramíneas daquele campo irregular pendiam de um verde escuro para quase um oliva chumbo, fazendo contraste com o topázio do céu marcado pela lua cheia amarelo-alaranjada que surgia no horizonte à sua esquerda. Seus pulmões relutavam ofegante a respirar o ar frio, em uma corrida trôpega por entre os buracos no chão que se faziam hostis em armadilhas. Mantinha no seu horizonte a sua frente uma barreira de eucaliptos, a menos de quinhentos metros que mais parecia uma muralha negra para o sul. Seu nariz parecia congelar enquanto expirava uma nuvem branca de ar condensado ao efeito do ar gélido que se dissipava no ar, e seu leve suor na testa fazia sentir uma emoção como nunca sentira antes. A noite caía rápida, e logo o azul marinho tomou conta do céu quando cada vez mais a muralha crescia à sua frente. Sua euforia era grande, pois estava vivendo um momento relativamente bom da sua curta vida. Ao aproximar-se da parede de eucaliptos, diminuiu seu passo a um caminhar lento quase cambaleando, exaurido pelo cansaço daquela corrida, onde ali, abaixo das imensas árvores, se sentia seguro novamente para fazer sua tão esperada experiência. Tudo estava quieto. Não havia ruídos de insetos, nem canto de pássaros. A noite abrangia igual como nas noites frias de inverno, porém aquela noite, conforme as coisas deviam acontecer em seu devido tempo, não seria uma noite comum, mas sim uma noite especial. Ele mal imaginara que aquela noite mudaria sua vida para sempre. Mantivera em suas mãos por todo o trajeto corrido uma pasta preta com os equipamentos necessários para sua experiência: uma máquina fotográfica Kodak, um filme fotográfico, seu caderninho e um lápis com uma borracha desgastada e roída na ponta. Dirigiu-se até a base de um dos eucaliptos, revirou alguns galhos e folhas secas no chão e localizou o tripé da câmera escondido anteriormente. Assustou-se com uma aranha de tamanho médio que ficara presa a uma teia ao tripé. Tentou matá-la, mas ela escondeu-se nas folhas no chão e fugiu. Agora nada mais iria impedi-lo de realizar sua façanha, e certamente iria causar inveja nos coleguinhas com seu trabalho de geografia na escola. Isso lhe causara certo orgulho. Mesmo que seu irmão descobrisse que pegara sem pedir o equipamento, já seria tarde. O que importava é que sua experiência já tivesse pronta e causando inveja. E receber os elogios dos professores e os olhares curiosos dos colegas era reconfortante. Havia uma imensa vontade de estudar os astros, e decidira fazer naquela noite uma foto, deixando a ocular da câmera aberta por uma hora, tempo suficiente para desenhar a trajetória do movimento da lua na foto. Não havia nem vento e tudo estava perfeito. Aquela era a noite certa para isso, e sua alma encharcava-se de felicidade por realizar o que tanto queria.
(continua)

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